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Aos radicais a ignominia.(1ª parte)


“A democracia não é o sistema em que todos são éticos. É o sistema onde os não-éticos são punidos”.

Essa declaração é de Leandro Karnal. 


Talvez seja uma das mais interessantes, se não a mais clara, definição sobre a democracia a que tive acesso nos últimos tempos. O importante nessa definição é a sinceridade. Claro, em tempos tão obscuros nos quais nos encontramos, parece até mesmo estranho falar dessa qualidade tão mal interpretada e deturpada durante a História humana.

De forma bastante resumida podemos considerar que a sinceridade trata de vermos as coisas como elas são de fato, e não a partir de estereótipos construídos para nos dar sensações de segurança, poder, prazer… E, a partir das experiências que temos com o mundo ao nosso redor, constituirmos juízos de valor sobre as coisas e as pessoas. Mas, infelizmente, a licença para o uso da sinceridade é algo extremamente perigoso, principalmente em tempos de recrudescimento de discursos fascistas e que pregam a eugenia social.

Mas, voltando a Karnal, ele é sincero em dizer que a democracia não é um sistema perfeito, em que todos são ouvidos e são felizes. Nada disso. Na democracia temos o estabelecimento de parâmetros mais ou menos claros onde todos envolvidos, ditos “cidadãos”, podem atuar de maneira dialética apresentando e defendendo pontos de vista ou mesmo discursos elaborados acerca de como devem ou não devem ser as coisas.

Na democracia, portanto, temos o constante embate de forças, muitas vezes contrárias, que possuem interesses e ideias próprias sobre como a sociedade deve se comportar, o que deve fazer, o que deve comer, como deve estudar, somente para enumerar alguns desses interesses. Dentro deste embate, que Marx e Engels chamaram de “luta de classes”, agem forças poderosas como a mídia, o capital, e, evidentemente, a massa. A conquista desta última torna-se, então, o grande prêmio a ser alcançado.

O leitor, que teve a paciência de chegar até aqui, pode achar que considero a democracia como algo ruim ou inapropriado. Principalmente aqueles que não me conhecem e não sabem de minhas ideias políticas. Mas, ao contrário do que parece, sou um ferrenho defensor da democracia. E, talvez, esse motivo seja o de escrever essas rápidas linhas.

Sou historiador, e como tal, tento observar os eventos cotidianos dentro de um repertório histórico, buscando compreender as relações existentes entre os acontecimentos e a tal “luta de classes”, a que me reportei mais acima e que, me parece, tem sido apresentada de forma deturpada pela quase totalidade da mídia brasileira. E esta, a mídia, tem alimentado uma das piores formas de exercício da democracia ou da dialética social: a radicalização do discurso do democratismo que pode ser traduzido como “se você não está comigo, está contra mim”.

Somente a título de lembrança, era esse princípio, que delineei acima, ilustrou o período mais cruel da Ditadura Militar em nosso país. A título de ilustração podemos citar o governo de Emílio “Carrasco-Azul” Médici (1969/1974), que foi o período mais violento da ditadura, onde ocorreram os ataques da guerrilha e o Estado respondia com enorme violência e censura, o slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o” foi criado para dizer que quem não estava satisfeito fosse embora do país, sendo na maioria das vezes exilados pela própria ação e mãos do Estado.

Os mais desavisados podem até afirmar que “citar a ditadura não vale!”,  pois “era um governo de exceção”. Mas, pasmem, o sistema de governo em vigência durante dos anos de chumbo era a democracia. Haviam eleitores e eleitos, partidos e parlamentos. Presidente, governadores, prefeitos, vereadores, deputados e senadores. Todos elementos figurativos que delineiam a democracia representativa.

Ora bolas, então por que chamamos o período que se estendeu de 1964 à 1985 de Ditadura Militar? Essa é uma pergunta bastante pertinente e que você, caro leitor, pode até estar se fazendo agora. Mas, como diz a música, se avexe não… A resposta é mais simples do que parece.

No período ditatorial se extinguiu o mais importante princípio da democracia: o respeito ao diferente. Durante os anos de chumbo, se buscou construir uma sociedade inerte, passiva, dócil, de fácil condução pelos “lideres” que salvariam o país de uma tragédia social que poderia se formar por conta da “ameaça comunista”. Espraiou-se por nossas terras o discurso típico do fascismo e do nazismo.

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